Edição nº 99
A SOS DIREITOS HUMANOS relembrando o genocídio / massacre / chacina cometida pelo Exército e Polícia Militar do Ceará no ano de 1937 contra a comunidade de camponeses católicos do SÍTIO DA SANTA CRUZ DO DESERTO - SÍTIO CALDEIRÃO, onde 1000 pessoas foram assassinadas, dentre idosos, mulheres, crianças, adolescentes e doentes, publica nesta edição uma matéria do jornal Diário do Nordeste.
Paz e Solidariedade,
Dr. Otoniel Ajala Dourado
Editor-Chefe da REVISTA SOS DIREITOS HUMANOS
OAB/CE 9288 – 55 85 8613.1197
Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
Membro da CDAA da OAB/CE
www.sosdireitoshumanos.org.br
sosdireitoshumanos@ig.com.br
REPORTAGEM-MEMÓRIA:
CARIRI (10/5/2007)
Sobrevivente rememora vida do Sítio Caldeirão
Antônio Inácio vive hoje no Sítio Ramada, em Santana do Cariri. Na sua fala, saudade e tristeza
ANTÔNIO VICELMO
Crato. Decorridos 70 anos da chacina, Antônio Inácio revê o passado com um sentimento de saudade e tristeza. Sentado no terreiro de sua casa, no Sítio Ramada, município de Santana do Cariri, a cerca de 20 quilômetros do Caldeirão, Inácio recorda que todos viviam como irmãos, rezando e trabalhando, sob o comando de Zé Lourenço que era tratado como “Padim”. “Aquilo era um paraíso em cima da terra”, recorda, ao mesmo tempo em que carrega dentro da alma o que ele chama de “injustiça praticada pelos homens do poder”.
A veneração ao beato é manifestada na foto de Zé Lourenço, colocada na parede da sala de orações da casa, ao lado do Padre Cícero e do Coração de Jesus. Durante mais de 50 anos , Antônio Inácio viveu no anonimato, intocado no meio da Serra do Araripe que constantemente era vasculhada por policiais a procura dos renascentes do Caldeirão.
Hoje , a sua casa virou ponto turístico. De vez em quando, aparece um escritor querendo saber a história do Caldeirão. O bispo do Crato, dom Fernando Panico, já celebrou uma missa em sua casa e prometeu que, ainda este ano, participará de outra cerimônia religiosa.
Baixa Dantas
José Lourenço, nascido nos sertões da Paraíba, trabalhava com sua família em latifúndios. Deixou tudo para trás e foi para Juazeiro, onde conheceu Padre Cícero e ganhou sua simpatia e confiança. Em Juazeiro conseguiu arrendar um lote de terra no Sítio Baixa Dantas, no município do Crato. Com bastante esforço de José Lourenço e os demais romeiros, em pouco tempo a terra prosperou, e eles produziram bastante cereais e frutas. Diferente das fazendas vizinhas, lá eles dividiam tudo igualmente. Todos tinham acesso à produção.
José Lourenço torna-se líder daquela gente, e se dedicava à religião, à caridade, e servia ao próximo. Mesmo analfabeto, era ele quem organizava tudo, dividia as tarefas e ensinava agricultura e medicina popular. Para o Sítio Baixa Dantas eram enviados, por Padre Cícero, os assassinos, os ladrões e os miseráveis, pessoas que precisavam de ajuda para trabalhar e obter sua fé.
Na década de 1920, Padre Cícero entregou aos cuidados de José Lourenço um boi, e os inimigos de Padre Cícero, se aproveitaram disso espalhando boatos de que as pessoas estariam adorando o boi como a um Deus. O boi foi morto e José Lourenço foi preso durante 18 dias, sendo solto pelo próprio Padre Cícero.
Sociedade igualitária
Em 1926, o Sítio Baixa Dantas foi vendido e o novo proprietário exigiu que todos da comunidade saíssem de suas terras. Com isso, Padre Cícero resolveu alojar o beato e os romeiros em uma grande fazenda denominada Caldeirão dos Jesuítas, situada no Crato, onde começaram todo trabalho novamente, criando uma sociedade igualitária e tendo como base de tudo a religião. Tudo produzido no Caldeirão era dividido igualmente, o excedente era vendido e, com o lucro, investiam em remédios e querosene.
No Caldeirão cada família tinha sua casa e órfãos eram afilhados do beato. Na fazenda também havia um cemitério e uma igreja, tudo construído por eles mesmos, e a comunidade chegou a ter mais de mil habitantes. Com a grande seca de 1932, esse numero aumentou, pois lá chegaram muitos refugiados. Após a morte de Padre Cícero, muitos nordestinos passaram a considerar o beato José Lourenço como sucessor do sacerdote.
Nova comunidade
Devido a muitos grupos de pessoas começarem a ir para o Caldeirão e deixarem seus trabalhos árduos, pois viam aquela sociedade como um paraíso, as autoridades ficaram temerosas e uniram-se para destruir o aglomerado. A fazenda foi invadida, destruída e os sertanejos expulsos.
Homens de confiança de José Lourenço foram presos e conduzidos a Fortaleza. Retornaram ao Crato após 14 dias e encontraram pessoas da comunidade vivendo na Serra da Conceição, na Chapada do Araripe. Com o decorrer dos dias, surgiu na mata uma nova comunidade, a qual, um ano depois, foi vítima do massacre. Os sobreviventes se esconderam no meio da floresta, onde passaram a viver como índios. Aos poucos, voltaram ao convívio da sociedade. A maioria, entretanto, morreu no isolamento.
Atualmente, a única família residente no sítio é a do agricultor Raimundo Batista. Mesmo não sendo remanescente, sabe que ali havia fartura, ao contrário de hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.